quinta-feira, 18 de novembro de 2010

PORQUE A BÍBLIA CATÓLICA TEM MAIS LIVROS QUE A BÍBLIA PROTESTANTE (EVANGÉLICA)?

Sabemos que Deus quis falar aos homens, dando origem à Sagrada Escritura. Tenho visto, e ouvido, calorosas discussões entre evangélicos e católicos sobre a diferença na quantidade de livros da bíblia sagrada; a bíblia protestante ou evangélica com 66 livros catalogados, a católica com 74(73). O que me faz perguntar: quantos e quais são os livros sagrados? Qual é o verdadeiro catálogo?




Para entender melhor acerca dos catálogos é importante conhecer alguns termos (Nomenclatura) que iremos utilizar neste estudo: Cânon, do grego kanón = regra, medida →catálogo; Canônico = livro catalogado — o que implica, ser inspirado no sentido teológico; Protocanônico = livro catalogado próton, isto é, em primeiro lugar ou sempre catalogado; Deuterocanônico = livro catalogado déuteron ou em segunda instância, posteriormente (após ter sido controvertido);

Apócrifo, do grego apókryphon = livro oculto, isto é, não lido nas assembléias públicas de culto, reservado à leitura particular em conseqüência, livro não canônico ou não catalogado, embora tenha aparência de livro canônico (Ex: Evangelho segundo Tomé, Evangelho da Infância, Assunção de Moisés,...).

Os apócrifos, durante séculos, eram tidos como desprezíveis portadores de lendas, mas hoje tem sido reconhecidos como valiosos para a história do Cristianismo, pois através de suas afirmações entendemos o modo de pensar dos judeus e cristãos dos séculos pouco anteriores e pouco posteriores a Cristo (século II a.C. até século V d.C.); podem conter informações verdadeiras que não foram consignadas pelos autores sagrados (os nomes dos genitores de Maria SS., a Apresentação de Maria no Templo aos três anos de idade, a assunção corporal de Maria após a morte); contêm sentenças de hereges, que contribuem para a compreensão da história do Cristianismo, etc.

O Cânon católico compreende 47 livros do A.T., se for entendido como unidade distinta a carta de Jeremias (= Baruque 6): se, assim não o fizer, considera-se a carta como sendo o capítulo 6 de Baruque, nesse caso o total é de 46 livros. No Novo Testamento há 27 livros, o que perfaz 74 (73) livros sagrados ao todo.

A história do Cânon ou a maneira como se foram formando os catálogos do Antigo e do Novo Testamento respectivamente, começaram a ser escritos de forma esporádica.

As passagens bíblicas começaram a ser escritas muito antes de Moisés: é importante observar que a escrita era uma arte rara e cara na antiguidade. No século XIII a.C. Moisés foi quem primeiro codificou as tradições orais e escritas de Israel. Tradições (leis, narrativas, peças litúrgicas) que foram sendo aos poucos acrescidas por novos escritos no passar dos séculos, assim foi-se formando a sagrada biblioteca de Israel.




Cânon do Antigo Testamento:




No século l da era cristã, começaram a surgir os livros cristãos (as cartas, os Evangelhos...), eram apresentados como a continuação dos livros sagrados dos judeus. Por sua vez, os judeus que não aceitaram a Cristo, impediram a junção de livros judeus com livros cristãos. O que deu origem ao sínodo de Jâmnia ou Jabnes ao Sul da Palestina, onde os rabinos reuniram-se, por volta do ano 100 d.C., com a finalidade de estabelecer os critérios que deveriam caracterizar os livros sagrados ou inspirados por Deus. Ficou definido que: só é sagrado os livros escritos na terra de Israel; em linguá hebraica, ficando excluída, a aramaica e a grega; apenas até o tempo de Esdra (458-428 a.C.); em plena consonância com a Torá ou Lei de Moisés, sem nenhuma contradição.

Em conseqüência, os judeus da Palestina fecharam o seu Cânon sagrado sem reconhecer livros e escritos que não obedeciam a tais critérios. Acontece, porém, que em Alexandria (Egito) havia próspera colônia judaica, que, vivendo em terra estrangeira e falando língua estrangeira (o grego), não adotou os critérios nacionalistas estipulados pelos judeus de Jâmnia. Os judeus de Alexandria chegaram a traduzir os livros sagrados hebraicos para o grego entre 250 e 100 a.C., dando assim origem à versão grega dita “Alexandrina” ou dos Setenta Intérpretes”. Essa edição grega bíblica encerra livros que os judeus de Jâmnia não aceitaram, mas que os de Alexandria liam como palavra de Deus; assim os livros de Tobias, Judite, Sabedoria, Baruque, Eclesiástico (ou Siracides), 1º e 2º Macabeus, além de Ester 10,4-16,24; Daniel 3,24-90; 13-14.

Podemos, pois, dizer que havia dois cânones entre os judeus no início da era cristã: o restrito da Palestina, e o amplo de Alexandria.

Ora acontece que os Apóstolos e Evangelistas, ao escreverem o Novo Testamento em grego, citavam o Antigo Testamento, usando a tradução grega de Alexandria, mesmo quando esta diferia do texto hebraico; tenham-se em vista Mt 1,23 (→ Is 7,14); Hb 10,5 (→ SI 39/40,7); Hb 10,37s (Hab 2,3s); At 15,16s (→ Am 9,11s). O texto grego tornou-se a forma comum entre os cristãos; em conseqüência o Cânon amplo, incluindo os sete livros e os fragmentos citados, passou para o uso dos cristãos.

Verificamos também que nos escritos do Novo Testamento há citações implícitas dos livros deuterocanônicos. Assim, por exemplo, Rm 1,19-32 → Sb 13,1-9; Rm 13,1 → Sb 6,3; Mt 27,43 → Sb 2,13. 18; Tg 1,19 → Eclo 5,11; Mt 11,29s → Eclo 51, 23-30; Hb 11,34s → 2Mc 6,18-7,42; Ap 8,2 → Tb 12,15.

Deve-se, por outro lado, notar que não são (nem implicitamente) citados no Novo Testamento livros que, de resto, todos os cristãos têm como canônicos; assim Eclesiastes, Ester, Cântico dos Cânticos, Esdras, Neemias, Abdias, Naum, Rute.




Nos mais antigos escritos patrísticos são citados os deuterocanônicos como Escritura Sagrada: Clemente Romano (em cerca de 95), na epístola aos Coríntios, recorre a Jt, Sb, fragmentos de Dn, Tb e Eclo; o Pastor de Hermas, em 140, faz amplo uso do Eclo e do 2 Mc (cf. Semelhanças 5,3.8; Mandamentos 1,1...); Hipólito († 235) comenta o livro de Daniel com os fragmentos deuterocanônicos.; cita como Escritura Sagrada Sb, Br e utiliza Tb, 1/2 Mc.




Nos séculos ll a lV houve dúvidas entre os escritores cristãos com referência aos sete livros, pois alguns se valiam da autoridade dos judeus de Jerusalém para hesitar; outros deixavam de lado os deuterocanônicos, porque não serviam para o diálogo com os judeus. Finalmente, porém, prevaleceu na Igreja a consciência de que o cânon do Antigo Testamento deveria ser o de Alexandria, adotado pelos Apóstolos. Sabemos que das 350 citações do Antigo Testamento no Novo, 300 são tiradas da versão dos Setenta. Em conseqüência, os Concílios regionais de Hipona (393), Cartago III (397), Cartago IV (419) Trulos (692) definiram sucessivamente o Cânon amplo como sendo o da Igreja. Esta definição foi repetida pelos Concílios ecumênicos de Florença (1442), Trento (1546), Vaticano 1(1870).

S. Jerônimo († 421) foi, sem dúvida, uma voz destoante neste conjunto. Tendo ido do Ocidente para Belém da Palestina a fim de aprender o hebraico! Assimilou também o modo de pensar dos rabinos da Palestina neste particular.

Durante a Idade Média pode-se dizer que houve unanimidade entre os cristãos a respeito do Cânon.

No século XVI, porém, Martinho Lutero (1483-1546), querendo contestar a Igreja, resolveu adotar o Cânon dos judeus da Palestina, deixando de lado os sete livros e os fragmentos deuterocanônicos que a Igreja recebera dos judeus de Alexandria. É esta a razão pela qual a Bíblia dos protestantes ou evangélicos não tem sete livros e os fragmentos que a Bíblia dos católicos inclui. Para dirimir as dúvidas, observamos que:

— os critérios adotados pelos judeus de Jâmnia para não reconhecer certos livros sagrados eram critérios nacionalistas; tal nacionalismo decorria do fato de que desde 587 a.C. os judeus estavam sob domínio estrangeiro, que muito os aborrecia;

— é o Espírito Santo quem guia a Igreja de Cristo e fez que, após o período de hesitação (séc. I-IV), os cristãos reconhecessem como válido o cânon amplo.

Aliás, o próprio Lutero traduziu para o alemão os livros deuterocanônicos na sua edição alemã datada de 1534, o catálogo é o dos católicos, o que bem mostra que os deuterocanônicos eram usuais entre os cristãos. Não foi o Concílio de Trento que os introduziu no cânon. De resto, as Sociedades Bíblicas protestantes até o séc. XIX incluíam os deuterocanônicos em suas edições da Bíblia.

Para os católicos, os livros deuterocanônicos do Antigo Testamento são tão valiosos como os protocanônicos; são a Palavra de Deus inerrante, que, aliás, os próprios judeus da Palestina estimavam e liam como textos edificantes. Por exemplo, os próprios rabinos serviam-se do Eclesiástico até o séc. X como Escritura Sagrada; o 1Mc era lido na festa de Encênia, ou da Dedicação do Templo (Hanukkah). Baruque era lido em alta voz nas sinagogas do séc. IV d.C., como atestam as Constituições Apostólicas. De Tobias e Judite temos midrachim ou comentários em aramaico, que atestam como tais livros eram lidos na sinagoga.




Cânon do Novo Testamento:




O catálogo dos livros do Novo Testamento também foi objeto de dúvidas na Igreja antiga, mas hoje é unanimemente reconhecido por católicos e protestantes. Os livros controvertidos e, por isto, chamados deuterocanônicos do Novo Testamento são os seguintes: Hb, Ap, Tg, 2Pd, Jd, 2/3 Jo. Vejamos o porquê das hesitações:

Hebreus: a carta não indica nem autor nem destinatários. Os cristãos orientais a tinham como paulina, ao passo que os ocidentais não. Entre os latinos, em meados do séc. III, os novacianos rigoristas (que ensinavam haver pecados irremissíveis) valiam-se de Hb 6,4-8 para propor sua tese errônea. Por isto, os autores ortodoxos relegaram Hebreus para o esquecimento até a segunda metade do séc. IV, quando S. Ambrósio e S. Agostinho a reconsideraram. Hoje todos os cristãos a reconhecem como carta canônica (= Palavra de Deus), embora reconheçam que não é diretamente da autoria de S. Paulo.

Apocalipse: nos primeiros séculos discutia-se a autoria era mesma de João, entre os orientais. Também ocorria que uma facção dita “milenarista” apelava para Ap 20,1-15 a fim de afirmar um reino milenar e pacífico de Cristo sobre a terra antes da consumação da história. Por isto o Apocalipse foi objeto de suspeitas, que cederam ao reconhecimento unânime no séc. IV.

Tiago: também foi discutida a autoria deste escrito, que, além do mais, parecia contradizer a S. Paulo em Rm e GI; a fé sem as obras seria morta (cf. Tg 2,14-24). Prevaleceu, porém, a consciência de que é escrito canônico, perfeitamente conciliável com S. Paulo; ao passo que este afirma que a fé sem obras (sem méritos do individuo) basta para entrarmos na amizade com Deus (ninguém compra a amizade), S. Tiago quer dizer que ninguém persevera na graça se não pratica boas obras ou se não vive de acordo com a fé. Portanto, São Paulo trata do ingresso na amizade com Deus, São Tiago trata da perseverança na mesma.

Judas: esta carta também teve a sua autoria discutida. Por citar os apócrifos: “Assunção de Moisés” (v. 9) e Apocalipse de Henoque” (v. 14s) a tornou suspeita. Este fato, porém, nada significa, porque S. Paulo cita os escritores gregos de Epimênides e Aratos, em Tt 1,12 e At 17,28 respectivamente, sem que Tt e At tenham sido excluídos do cânon por causa disto.

A 2Pd, as 2/3Jo da mesma forma foram controvertidas nos três primeiros séculos por motivos de pouca importância. — A 2Pd por teoricamente ser uma reedição ampliada de Jd; razão pela qual, foi motivo de questionamentos. As 2/3Jo, sendo bilhetes pequenos, de pouco conteúdo teológico, nem sempre foram consideradas canônicas.

Conforme já mencionado, em 393 o Concílio de Hipona definiu o cânon completo da Bíblia, incluindo os sete escritos controvertidos ou deuterocanônicos do Novo Testamento.




O Concílio do Vaticano ll define: “Pela Tradição torna-se conhecido á Igreja o cânon completo dos livros sagrados. As próprias Sagradas Escrituras são, mediante a Tradição, cada vez mais profundamente compreendidas e se fazem, sem cessar, atuantes. Assim o Deus que outrora falou, mantém um permanente diálogo com a Esposa de seu dileto Filho, e o Espírito Santo, pelo qual a voz viva do Evangelho ressoa na Igreja..., leva os fiéis a toda verdade e faz habitar neles copiosamente a Palavra de Cristo” (Dei Verbum n° - 8).




Assim sendo, quanto ao cânon verdadeiro para os cristãos, não resta dúvida que é o ampliado de Alexandria, já que se considerarmos o cânon restrito da palestina, teremos que excluir todo o Novo Testamento, por não atender os critérios do sínodo de Jâmnia ou Jabnes, o que seria o fim do cristianismo. A própria Bíblia não define o seu catálogo. Portanto, este só pode ser depreendido mediante a Tradição (= transmissão) oral, que de geração em geração foi entregando os livros sagrados ao povo de Deus, indicando-os, ao mesmo tempo, como livros inspirados e, por conseguinte, canônicos. Essa tradição oral viva fala até hoje pelo magistério da Igreja, que não é senão o eco autêntico da Tradição oral.









Bibliografia:

HARRINGTON, WILFRID, Chave para a Bíblia. Ed. Paulinas 1985.

ARENHOVEL, DIEGO, Assim se formou a Bíblia. Ed. Paulinas 1978.

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